Charles

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 A ideia da Wave Park começou a se formar na minha cabeça uns dois anos antes de eu colocá-la em prática. Naquela época, ainda não existia pista de skate no planeta, mas lá na Califórnia a galera já mandava ver nos ditches e nos reservatórios secos, o berço do estilo banks. Por aqui, a gente só andava de skate nas ladeiras das ruas de asfalto, e a Rua de Lazer de Skate (hoje Rua Circular do Bosque) no Morumbi era o nosso point.  Só que lá era proibido carro, só skate.  Pra subir a ladeira a gente tinha que dar uma caminhada puxada, e aí eu pensava: puxa, um ski lift aqui seria show, pra subir segurando como a gente fazia agarrando nos carros em outras ruas.

Logo surgiram as primeiras rampinhas, nada mais do que um madeirite encostado num muro. Foi aí que tive a ideia de criar uma espécie de pista que seria uma ladeira com um asfalto perfeito e com as laterais inclinadas, como se fossem rampinhas baixas mas muito extensas, ao longo de toda ladeira.  Um super ditch, uma rua com as bordas levantadas!  E ainda com skate lift.

Quando chegou uma edição da Skateboarder Magazine com as fotos da pista de Carlsbad, a primeira do mundo, eu pirei! Era uma combinação de pequenos ditches e reservatórios com transições suaves e um acabamento perfeito. Minha mente viajou longe. Minha família ia passar férias nos EUA e eu convenci meu pai a me deixar ir pra Califórnia pra explorar as pistas de skate de lá. Isso foi no final de 76, eu tinha acabado de fazer 16 anos.

Chegando lá, conheci e andei com os Z-Boys, Tony Alva, Jay Adams, e outros, além do Russ Howel, o mestre do freestyle. Mas o que eu queria mesmo era aprender a construir uma pista ainda melhor, e no Brasil! Nenhuma das pistas tinha vertical, mas isso já rolava nas piscinas.

Antes de voltar pro Brasil, meu pai veio me encontrar na Califórnia e viu algumas pistas comigo. Falei pra ele: "Vamos montar um negócio novo e diferente no Brasil. A maior e melhor pista de skate do mundo! Para viabilizar vamos ter uma lanchonete e uma loja de skate (onde venderíamos as rodinhas de poliuretano que já fabricávamos na fábrica dele), e vamos cobrar ingressos e alugar espaço para exporem marcas". Meu pai topou na hora.  Ele deu todo apoio.

De volta ao Brasil, os desafios seriam enormes.  Meu pai estaria por trás apoiando, mas eu quem iria correr atrás de tudo.  Logo convidei meu primo Sergio Laganá para ser meu sócio e me ajudar em tudo.  O irmão dele, Roberto, cuidaria da loja Wave Park.  Meu pai encontrou um terreno de um conhecido, em L, na Rua Bueno Brandão e Av. Santo Amaro. O dono topou começar a cobrar alguel somente quando a pista ficasse pronta. 

Comecei a juntar todas as ideias desde os primeiros sonhos na rua, com tudo que tinha visto nos EUA: pistas, piscinas, ditches... e a imaginar como explorar ao máximo aquele terreno.  A única coisa que não ia ter era o skate lift, prejudicaria o projeto da pista e também o custo ficaria inviável.  Para arrumar dinheiro para financiar o projeto, logo coloquei todo meu equipamento de som e luzes que usava como DJ a venda, e saí procurando patrocínio.  Também tive a ideia de assim que tivesse um pedaço pronto, começar a abrir nos finais de semana cobrando ingressos.

No projeto, preservamos uma jabuticabeira que ficava no canto do L do terreno, mas no mais, projetamos a pista pra aproveitar cada centímetro dos cerca de mil metros que tinha. Dois snakes em L seguindo o terreno: um mais suave, lembrando as melhores pistas da época, só que mais longo, e terminando num bowl grande e alto, mas não radical. O outro snake mais apertado, com transições rápidas e desafiadoras, terminando num bowl gigantesco com transição suave mas que chegava ao vertical e seguia por mais de um metro e até chegando aos 92 graus - o primeiro overt do mundo.  Os quase quatro metros de altura do bowl eram algo insano, algo nunca antes concebido, realmente monstruoso. O bowl ficou conhecido como bowlzão.  Essa pista seria pra desafiar os melhores skatistas do mundo.

A próxima dificuldade foi arrumar um arquiteto que assinasse o projeto e aprovasse na prefeitura, e um empreiteiro para construir.  Ambos não acreditavam que dois garotos sabiam do que estavam falando.  Achavam que não tínhamos colocado no papel corretamente o que queríamos, pois aquele projeto era maluco.  O arquitete se recusou a assinar o projeto, e fez um outro com o mesmo contorno porém com paredes baixinhas e inclinações que não passavam dos 30 graus, dizendo que se assinasse o que queríamos a prefeitura não aprovaria, além de que ele poderia ser responsabilizado por projetar uma pista mortal.  Para convencer o empreiteiro de que tínhamos desenhado o que queríamos que ele construísse, tivémos que montar uma maquete de argila.  E para provar que era possível andar de skate em paredes, montar uma pequena rampa de demonstração.

Com as obras iniciadas, conseguimos que duas marcas de roupa jovem, Ellus e Gledson, disputassem qual pagaria para colocar sua marca na pista e se associar a essa atividade jovem e rebelde: o skate!  A Gledson acabou oferecendo as melhores condições, apesar de que não seria suficiente para bancar toda construção, o que nos levou a inclusive pegarmos empréstimos.

A primeira fase da obra foi a remoção de entulho e terraplanagem.  Na sequencia, a contrução começou pelo final: o bolwzão.  O primeiro pedaço do bowlzão secou o cimento em 7/7/77.  A Wave Park estava tomando forma.

O resto, é história, revolucionamos a cena do skate. Esse sonho maluco, que começou com uma ideia de fazer uma ladeira diferente, se transformou numa pista incrível que marcou a história do skate no Brasil e no mundo.

A Wave Park foi um sonho que virou realidade, um lugar onde determinação, entusiasmo e visão futurista se cruzavam com diversão, sonho, paixão e realidade. Uma pista única e revolucionária, que mudou a história do skate no Brasil e no mundo. Era um espaço onde os skatistas podiam se desafiar, se superar e compartilhar experiências inesquecíveis. Mesmo depois de fechada, a Wave Park continua viva na minha mente e alma e na de todos que tiveram o privilégio de vivenciar aquele sonho materializado. A essência da Wave Park transcende o tempo e o espaço, e é o legado que deixamos para as futuras gerações de skatistas. Uma semente vigorosa, que plantamos, e seguiu sendo irrigada, adubada e muito bem cuidada, resultando em incríveis frutos nos dias de hoje. Hoje, olhando para os frutos, não se vê mais a semente, mas ela foi essencial para essa magnífica árvore com seus maravilhosos frutos, e quem participou de plantar essa semente e cuidar dela até que brotasse, nunca esquecerá, nem mesmo quando transcender deste plano para outro.

A pista foi construída com muita qualidade, com emendas de dilatação para evitar rachaduras e um ótimo sistema de escoamento de água. Mas, mesmo assim, enfrentamos desafios constantes ao operar a pista. No começo, precisávamos encontrar fabricantes de capacetes para skate no Brasil, já que ainda não existiam por aqui. Por questões de segurança, decidimos tornar o uso de capacetes obrigatório na pista. Vendíamos e alugávamos capacetes na loja, mas a higiene dos capacetes alugados era um problema.

Os raros acidentes que exigiam levar alguém ao hospital também eram um desafio, já que geralmente tínhamos apenas um funcionário na pista e outro na loja. Contratar, treinar e manter esses funcionários, além de evitar ser roubado por eles, eram outros obstáculos. Naquela época, não havia os recursos que temos hoje, e meus primos e eu trabalhávamos na pista em tempo parcial, já que ainda éramos estudantes.

Manter a pista limpa, evitar invasões noturnas de skatistas e pagar as contas eram outros desafios. Precisávamos pagar funcionários, aluguel, conta de luz e saldar a dívida. Acabei buscando mais patrocínio e consegui trazer a Coca-Cola, mas com uma verba modesta. O Sergio instalou um fliperama na pista, o que ajudou a arrecadar mais um pouco. Realizamos campeonatos e cobramos ingressos.

Poucos meses depois da inauguração, os skatistas sugeriram a construção de um bowl com coping além do "bowl médio" e do bowlzão. Notamos que uma área da pista era pouco utilizada, então reformamos e construímos um bowlzinho apertado com pouco vertical e coping, emendando parte dele na parede do prédio vizinho. Isso resultou no maior vertical até hoje. Na mesma época, ao ver que os skatistas já conseguiam chegar ao topo do bowlzão, o estendemos um pouco mais, ultrapassando os quatro metros.

Porém, o coping do bowlzinho logo foi esmerilhado pelos skatistas que tinham aprendido a dar grinding. Refizemos a parte superior do bowlzinho, adicionando pastilhas e um coping mais resistente.

Enfrentamos todas as dificuldades com muita paixão pelo que fazíamos. Nossa prioridade sempre foi ter uma pista incrível para andar e ultrapassar os limites do imaginável.

Não tenho dúvidas de que, se a Wave ainda existisse, exatamente como na década de 70, ela ainda seria considerada uma pista muito boa. Alguns elementos dela são bem atuais. A Wave tinha áreas perfeitas pra quem tava começando em transição, além de áreas super desafiadoras. Hoje, dá pra imaginar os skatistas tirando ainda mais proveito da Wave, transitando de um snake pra outro, de um bowl pro outro e usando ao máximo as paredes dos prédios. Seria realmente insano!

Além disso, a Wave tinha uns elementos que sinto falta e que não vejo em outras pistas por aí:

a) um bowl como o "bowl médio", que apesar de bem alto (3,60 metros), não tinha vertical, então, com pouca inclinação, era acessível pra muito mais gente;

b) uma descida longa que ajudava a ganhar e manter velocidade num rolê maior, graças à força da gravidade. Isso é importante pra quem não tem o preparo físico de um atleta e quer curtir uma volta mais longa;

c) o insano bowlzão e as paredes do prédio onde o céu era o limite. Não conheço no Brasil nada tão radical.