Conto de Natal Skatista

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Em uma cidade grande, cheia de prédios e sujeira, cheiro de esgoto e poluição sonora a ponto de a deusa do silêncio chorar de depressão todas as noites, este era o local onde vivia Claudinho, um garoto de periferia que não saía das pistas de skate. Sim, este era seu amor e sua paixão. Mal conseguia falar cinco palavras sem mencionar algo relacionado a skate, porém, quase quinzenalmente ele tinha problemas com peças que quebravam.

Agora num final de tarde de véspera de Natal, ele preferia passar a tarde com seu skate do que em sua própria casa, pois ali, sim, ele se sentia em casa.

Quase diariamente ele se sentava ao final do dia em algum banco ou canteiro e se isolava de tudo e todos, mas não hoje. Normalmente se algum conhecido se sentava próximo a ele, Claudinho quase que imediatamente saía com uma desculpa, normalmente horrível, mas era o que lhe importava. Hoje ao ver uma sombra de um homem alto se aproximando por algum motivo sua cabeça disse “Fod@-se Claudinho, não vamos sair daqui”.

O homem alto e negro se sentou ao lado dele, meio que emburrado Claudinho só foi dar aquele olhar de fod@-se e PQP!!! O cara estava usando apenas um samba canção verde e uma regata branca! Para piorar ele estava todo suado e ao chão estava uma mochila vermelha e seu skate, mas tudo o que é estranho pode piorar...

Do nada o homem lhe pergunta:
- O que foi moleque? Por que não está andando com os outros moleques?
- Te interessa? – Respondeu o menino desconfiado.
- Realmente não me interessa. – Respondeu o homem. – É que agora que o tempo está bom e sem tanto Sol, eu estaria andando ainda se tivesse sua idade.
Claudinho olha para o lado contrário meio sem jeito, porque sim, realmente ele queria estar andando mais, e então ele começou a gaguejar e disse.
- Brother, eu realmente queria estar andando, mas apesar de tudo o que sei, eu nunca soube mandar um flip, sempre o skate cai de lado ou eu chuto o skate para longe. – Disse o menino extremamente sem graça, e continuou. – Mas normalmente não tem problema, só que quando o Resmungo da rua de baixo cola na pista com os manos dele, ele pergunta se meu flip está na base, e toda vez que eu erro ele me dá um soco, aí sei lá, de verdade hoje sentei aqui pensando até se quero continuar andando mesmo, já que nem o flip eu mando.
Então ficou um silêncio... O homem olhava para cima em silêncio e neste momento Claudinho ficou puto por se abrir para um estranho e ele meio que cag@# para o que lhe foi dito e diz:
- Aê tiozão v... – Quando foi interrompido.
- Sério moleque ? – Disse o homem e continuou. – Deixa eu entender, toda vez que ele pergunta se o flip está na base você tenta mandar um flip?
- Isso. – Respondeu o menino.
- Então você erra e apanha? – Perguntou o homem com um rosto de indignação.
- Sim. – Respondeu o menino questionando já suas próprias ações sem saber o porquê.
- E imagino que você adoraria acertar um flip, correto?
- Então, na verdade eu queria acertar um nollie heel no gap, mas você sabe né? O flip tem que estar na base. – Responde o menino com um sorriso idiota no final.
- Não, não sei nada disso menor. Por que você anda de skate afinal? – Perguntou o homem num tom mais agressivo.
- Ah... – Ainda gaguejando respondeu Claudinho. – Porque eu gosto e me faz bem... – Respondeu timidamente.
-Te faz bem? Quando cheguei aqui você estava quase chorando doido! Parecia um cachorro abandonado! – Gritou o homem, mas incrivelmente ninguém que passava no momento estranhou ou mesmo olhou para a cena que ali acontecia.
- É que eu estava chateado. – Respondeu o menino com uma cara de acuado.
- Claudinho! Toda vez que o Resmungo cola aqui na pista você acaba seu rolê com essa cara, e então você é quem resmunga falando que vai largar o seu skate! Se você anda para ser aceito, é melhor desencanar mesmo e parar de uma vez, porque você deve andar para você e não por medo ou para agradar os outros! – Já falava o homem com um tom de inconformado e ao final olhando para o outro lado já.
- Tio, é que... – Gaguejou o menino com cara de choro. – Minha mãe namora um cara que toda vez que eu chego em casa ele me bate e é normal ele chegar em casa bêbado e bater em mim e na minha mãe, aí eu percebi que no skate eu esquecia de tudo isso, as pessoas aplaudiam quando eu acertava e até me abraçavam, desde que meu pai sumiu eu mal ganho um abraço...
- É isso menor, deixa o skate fluir, mas não se preocupe em agradar os outros aqui, ande por você mesmo que isso sim vai fazer seu rolê ficar pesado, e não fique dependente dos aplausos e abraços. Você também pode ser o que abraça os outros e ensina, pode ser até mais gratificante. – Disse o homem, agora com um rosto mais fraternal.
- É né, muito bonito tudo isso, mas o flip e o heel eu vou continuar errando assim mesmo, grande mer#@. – Disse o menino fechando a cara e começando a ficar sem paciência para levar sermão do homem de samba canção.
- Isso é um presente, e um ensinamento meu. Pode ir na fé, que se você tentar e for de coração aberto a trick volta. – Disse o homem sorrindo.
- É né, fácil falar, não é você que vai apanhar depois se errar mesmo né? – Questionou com um sinal de dúvida.
- Sim, sobre o Resmungo, ele tenta ter amizades mostrando que é melhor que os outros, e isso é uma coisa de otário. Quando olhar para ele, tenha pena, porque ele vai passar o resto de sua vida fazendo isso. Pode perceber que nem a banca dele é a mesma mais, é triste, mas um dia ele ainda vai abrir os olhos e entender que a vida é mais que isso. – Disse o homem com um rosto de dó. – Agora vai, tenta um flip lá no meio da pista, se você errar eu juro que deixo os pivetes baterem em mim ao invés de você. – Então passou a mão da cabeça de Claudinho e o empurrou em direção da pista.

Então, por uma força que até hoje Claudinho não sabe explicar, ele andou calmamente até o meio da pista, olhou para trás e lá estava o homem, que pela primeira vez ele percebeu como ele era alto e como estar de samba canção verde, regata branca e suado era esquisito, mas naquele momento era muito amigável por algum motivo.

Claudinho deu duas remadas ainda tímidas, e naquele momento sua mente ficou em branco, ele só enxergava seu skate e nada mais, nenhum som além das rodinhas do skate girando, nem a presença das outras pessoas na pista ele sentia mais, ele arrumou seus pés e chutou! Como em câmera lenta ele viu finalmente o skate girando embaixo de seus pés e como numa video part ele conseguia ver o shape ainda no ar encaixando perfeitamente sob seus pés antes mesmo das rodas tocarem o chão, e ao tocar o chão era como se uma alegria imensa subisse pelo seu corpo e tomasse sua consciência com pura alegria! E o mesmo naquele fim de tarde ainda aconteceu com seu esperado heel flip no gap da escadaria.

Para o Claudinho, aquelas manobras tinham sido perfeitas e altas demais! Apesar que na real foram baixinhas, mas quem anda sabe, até a sensação de pular um cabo de vassoura às vezes pode parecer um pulo de 20 metros de altura.

Então sentiu uma mão em seu ombro e a voz do homem que lhe disse:
- Agora volta para a casa e curta seu Natal com sua mãe pequeno, porque eu já descansei e posso colocar aquela roupa pesada de novo.

Quando olhou para trás ninguém estava lá, e ninguém viu ele aquele dia, e olha que o Claudinho perguntou para geral, mesmo o Resmungo disse que não tinha visto nada, mas ainda assim o parabenizou pelo flip, mas sabe como é né? O Resmungo depois ficou 20 minutos ainda tirando sarro e falando que o flip dele era mais alto.

Ao voltar para casa, encontrou um clima diferente, aparentemente sua mãe havia descoberto dias antes que seu namorado estava envolvido com uns lances pesados, e que até então estava com medo de falar algo ou de se afastar dele, mas que naquele dia estavam comentando que a polícia tinha ido visitar ele no bar e ninguém sabia o que rolou depois. Triste? Não, sua mãe parecia radiante como nunca antes e ainda recebeu Claudinho com um abraço carinhoso, sem nem comentar nada sobre seu namorado.

Estranhamente enquanto eles jantavam estava passando na TV que um skatista famoso, o Sergio Negão, estava fazendo uma apresentação especial de Natal andando vestido de Papai Noel no centro de sua cidade, e curiosamente ao subir na plataforma para acenar e mandar um feliz natal para a geral, ele retirou a barba, e naquele momento Claudinho sabia que o conhecia de algum lugar, mas ele nunca conseguiu se lembrar de onde. Mesmo toda aquela tarde, para ele havia sido uma tarde de rolê normal, como se tudo tivesse sido uma pescada de cansaço enquanto ele se apoiou num banco próximo.

Nós da equipe da Skateboarding e do Eu Sou Skatista desejamos a todos muito skate no pé e um Feliz Natal! #eusouskatista


Marcelo Sanzoni 

Skatista, com o trabalho em mídia no Canal Eu Sou Skatista desde 2016, militante do skate e sempre focado em divulgar a cultura e a essência do skate, transmitindo pelo menos duas lives por semana no Instagram a mais de um ano e dando voz a lendas, skatistas do dia a dia e fomentadores do skate, aquele que já entrevistou do menino do bairro até Sergio Negão e Tony Hawk, sempre por amor ao skate!.