S.O.S. SKATE BRASILEIRO

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Guto Jimenez

Atualmente, o skate brasileiro vive o momento de maior divulgação e difusão pela sociedade de sua história, sem a menor sombra de dúvidas. Esteja você manuseando o seu smartphone, navegando no seu notebook ou assistindo aos seus canais favoritos de tevê, o carrinho estará presente em cenas jornalísticas ou peças publicitárias, normalizando a sua presença na programação.

Esse é um fenômeno que só aumentou após os ótimos resultados conquistados por brazucas na primeira Olimpíada que teve disputas de park e street, fato que ajudou a popularizar a prática por todo o país. No vácuo desse aumento de interesse, surgiram circuitos organizados de diferentes aspectos das modalidades olímpicas, acessíveis ao grande público através de transmissões online em tempo real em diferentes plataformas digitais.

Definitivamente, esse foi um dos aspectos que mais se destacaram nos últimos anos.
Infelizmente, existe um outro lado desse cenário que engloba a imensa maioria das pessoas que fazem o skate brasileiro ser o que é hoje. A maior parte das marcas nacionais do skate não sente essa empolgação popular pelo carrinho se refletir em mais pedidos e melhores vendas, muito pelo contrário; existe um paradoxo muito perigoso acontecendo no momento, em que a popularização do skate não está sendo aproveitada por quem efetivamente constrói a cena. E isso é muito, muito preocupante. Comentários do tipo “ninguém tá comprando nada”, “pior do que fabricar pouco é tentar receber depois de quem não tá vendendo” ou “depois do boom das Olimpíadas, ficou muito devagar de novo” são frequentes em conversas que tenho com amigos e conhecidos envolvidos em todos os processos produtivos do skate.

Gente que fabrica, distribui, vende, produz mídia, divulga, realiza eventos, organiza circuitos... São conversas orgânicas, com gente que faz efetivamente pela cena em várias frentes – e por várias modalidades, não apenas pelas olímpicas.
Uma questão muito incômoda costuma vir à tona: como é possível que boa parte das marcas nacionais, que ajudaram o skate brasileiro a ser o que é hoje, não consegue se beneficiar do aumento de popularidade do carrinho?!

Quando se compara e contrasta os dois lados da cena, é possível se enxergar com clareza uma das razões que fazem com que a maioria do mercado não seja beneficiado com o aumento de popularidade do skate. É simples: as marcas simplesmente não aparecem pra quem não é skatista. Com exceção de poucas que têm o orçamento ou a possibilidade de patrocinar etapas dos maiores circuitos, sendo portanto divulgadas nas mídias anteriormente e durante as transmissões online, as outras lutam arduamente pra poderem sair do ostracismo. Sendo assim, não são vistas ou conhecidas pelo grande público leigo que se interessa cada vez mais pelo esporte. É como se, de repente, as marcas só servissem pra apoiar e incentivar skatistas iniciantes, uma vez que a elite dos amadores e os profissionais já estariam fora do alcance financeiro das mesmas marcas que os apoiaram anteriormente.

Aquilo que já foi um fato isolado, vivenciado por apenas algumas das empresas do cenário, passou a ser uma constante pra imensa maioria delas. O mais preocupante é que uma dura realidade salta aos olhos a quem observa e acompanha as mais variadas cenas: ou você faz parte do grupo que atua nesses circuitos e eventos maiores, ou você tem que se esforçar ao máximo simplesmente pra sobreviver.

E isso se disseminou por iniciativas que até têm a ver com as cenas olímpicas, mas que não conseguem manter o que vinham fazendo por pura falta de apoio. Falo aqui especificamente do portal @campeonatosdeskate, especializado na divulgação prévia e posterior de eventos do carrinho nas mais variadas modalidades. Eu considero que o guerreiro Marcos Bollmann e sua equipe prestam um serviço de utilidade pública ao cenário, por difundirem iniciativas de todo o país independente de quem esteja por trás da realização das disputas. Perdi a conta das vezes que descobri cidades e cenas que sequer imaginava existirem, simplesmente por ver os flyers de eventos realizados nesses lugares sendo divulgados pelo canal. Eles se estruturaram de tal forma que até formaram uma equipe de skatistas iniciantes, que participam de disputas realizadas no Paraná (estado sede do CdeS) e até em outros estados.

Ao longo de seus 22 anos de história, conseguiram apoiar nada menos que 28 skatistas, um dos fatores que fazem com que tenham mais de 1 milhão de visualizações por mês. Estou falando de uma mídia especializada de skate, que vem fazendo por skatistas mais do que algumas marcas que tinham mais obrigação do que eles. Pois bem: o canal Campeonatos de Skate teve de dispensar dois dos skatistas de sua equipe, por pura e simples falta de condições de manter o apoio.

Isso é tão vergonhoso pras marcas que poderiam estar apoiando o canal, mas não o fazem por pura opção, que até me faltam adjetivos educados pra qualificar. Sem mais comentários, apenas fico na torcida pra que a equipe do canal mantenha o alto nível de seu excelente e eficiente trabalho. Bom, uma vez conhecido o problema, vem a pergunta de milhões de reais: o que pode ser feito pra reverter ou pelo menos atenuar essa realidade tão injusta?

Uma boa resposta exige um retorno ao passado, mais especificamente ao final da década de 80. Naquela época, duas iniciativas se sucederam na direção de organizar e promover o skate brasileiro, que começava a despontar no cenário internacional, a U.S.E. (União de Skatistas e Empresários) e a U.B.S. (União Brasileira de Skate) – essa última a entidade de âmbito nacional que durou até o final do século passado e precedeu a CBSk.

Naquela ocasião, houve a percepção de que a grande mídia seria uma aliada indispensável na divulgação dos campeonatos de skate, tanto assim que os circuitos brasileiros de 1989 e 90 foram transmitidos pela TV Cultura, os quais participei como comentarista. Além disso, e o mais importante, é que houve uma decisão de que cada uma das maiores marcas seriam as patrocinadoras máster de cada uma das etapas do circuito, mas que todas as marcas entrariam como co-patrocinadoras.

Assim, rolaram etapas da Urgh, Lifestyle, Plancton, Narina e Brand X, entre outras, nas quais esses nomes e os das outras marcas podiam ser visualizados nos banners distribuídos pelas áreas de competição. Em termos estatísticos, não de volumes de vendas, pode-se dizer sem susto que as marcas da época faturavam mais com as transmissões de campeonatos pela tevê do que as atuais.

Não consigo dimensionar o impulso de divulgação que as marcas de skate teriam caso pudessem participar de eventos com transmissão online nos dias de hoje. Já participei de algumas transmissões do tipo nos últimos anos, especialmente durante e após a pandemia, e o fato que mais me chamou a atenção foi a diversidade de locais onde o público estava quando assistia. Quando se recebe feedback em tempo real de gente de todo o país, e de países tão distantes quanto o Japão ou a Austrália– que confessaram ter acordado de madrugada só pra acompanhar os eventos -, percebe-se que essa fórmula é um dos atalhos pro sucesso. Aí surge outro problema, o de falta de condições de bancar os custos dessa iniciativa. Só o aluguel de um container pequeno refrigerado, fundamental pra realização de uma transmissão com qualidade, gira em torno de R$ 4mil por dia – e ainda tem a contratação de uma equipe de mídia especializada no ramo, a compra do horário de transmissão no YouTube, a divulgação do evento... Tudo custa grana, e não é pouca.

Acredito que a @cbskskate poderia estender as possibilidades de divulgação às marcas de skate de modo geral, não apenas àquelas que patrocinam os maiores circuitos de eventos. Penso nisso até porque, em sua maioria, as logos divulgadas não fazem parte da cena de skate; são de bancos, empresas de moda e bebidas energéticas, que aproveitam a boa imagem atual do carrinho na sociedade pra se associarem ao público mais jovem.

Uma solução poderia ser a seguinte: a entidade bancaria os custos de transmissão de todas as etapas classificatórias pros campeonatos brasileiros de suas modalidades, um impulso sem tamanho às marcas locais e regionais que geralmente patrocinam e apoiam essas disputas. Como isso poderia ser feito é com os profissionais de marketing e mídia da entidade, que já mostraram muita competência em lidar com esse tipo de iniciativa.

Isso não quer dizer que essa seja a única forma a ser seguida pelas marcas do ramo que querem aparecer, muito pelo contrário. O fomento à cena se dá sob várias maneiras, e todas elas começam pelo incentivo ao cenário local. É aquele bom e velho sistema utilizado há anos: apoiar e patrocinar skatistas locais, de acordo com aquilo que o próprio orçamento permitir; apoiar e patrocinar pequenas iniciativas locais, sejam demonstrações, clínicas de skate, escolinhas ou projetos sociais; poiar e patrocinar pequenos eventos, como best tricks por exemplo, que têm um potencial enorme de engajamento por parte dos skatistas...
O caminho é conhecido por todos há anos; a novidade é que muito mais pode ser feito a partir de um simples smartphone, sem a necessidade de precisar de uma equipe especializada em divulgação de mídia. OK, isso acaba desvalorizando os profissionais envolvidos na produção de mídia, mas é o que se tem no momento atual da sociedade, quando se pode produzir textos, imagens, vídeos e postagens através de um único aparelho.

Paralelo a isso, existe um fator que eu particularmente considero como inconcebível, pelo menos num mercado marcado pela criatividade e pelas adaptações às novas realidades como o do skate. Alguns empresários já assumiram um conformismo diante do atual status quo, no qual apenas algumas marcas são bem divulgadas por apoiarem as maiores iniciativas.

Pra esses caras, o ideal é tentar juntar a verba necessária pra participar do STU. Já ouvi de um deles: “criar um hype pra marca dá muito trabalho e demora muito, é bem mais prático se juntar a quem tá em evidência”. Não consigo dimensionar o tamanho da mediocridade dessa linha de raciocínio. Não quer agir por conta própria, prefere o comodismo e ainda reclama do mercado?! Fala sério!

Seja do jeito que for, já passou da hora de dar o devido retorno a quem mantém as bases do cenário, que são as marcas de skate nacionais.