Zeka Lopez

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Zeka Lopez / André SaderZeka Lopez / André Sader 

Por: Redação
Fotos: Abertura: André Sader/ Arquivo Pessoal 

Ibira Boy legitimo, conhecido como Galo, começou a andar de skate mais ou menos em 1975 com um Bandeirantes, e pelas palavras dele mesmo: “quem andou nesse perigo, anda em qualquer coisa”

Instrumentista desde 1985 e radicado na França desde 1989, Zeka Lopez tocou com inúmeros grupos, acompanhou peças de teatro, participou de jingles, gravou com vários artistas, animou oficinas pedagógicas e começou a compor para a dança e projetos da imagem em 2007. Em 2012 decidiu fundar seu próprio estúdio de gravação e se dedicar à criação de trilhas sonoras. Inspirado por diversos gêneros musicais e dominando várias ferramentas de criação, hoje o compositor, arranjador e sound designer é focado nos projetos do estúdio MusykaUnyka e trabalha na concepção do próximo CD do seu projeto solo iniciado em 2008.

 

Voce saiu do Brasil em 1989 e foi pra França sem rumo, na base da aventura. Conta um pouco disso.

Eu fui embora meio sem rumo, mas tinha algumas pistas para chegar na Europa. O primeiro plano era cursar uma escola de música na Italia junto com um amigo guitarrista e parceiro nesta viajem. Com o Ed’Son ( Edinho ) resolvemos sair fora para mudar os horizontes e ir à luta. Fiz até um um curso intensivo de italiano, mas não serviu para grande coisa. Antes de chegar na Itália queria visitar o Paulinho ( Batata ) irmão do Carlos Moleda, skatista bem conhecido e admirado  pelos seus 360° entre outras manobras. O Paulinho era amigo meu de adolescência, andava de skate e começamos nossa aventura musical com ele tocando bateria. Ele ja morava na França, trabalhava com musica e resolvemos visitar o cara no meio do caminho para matar a saudade. Como na primeira semana da nossa chegada demos sorte e rolou um trampo bem pago, fomos ficando né ? Depois as coisas foram se desenrolando naturalmente, os trabalhos foram acontecendo e desistimos da Italia.

 

 

Eu acho que o skate é um sinônimo de liberdade absoluta, entendeu? 

 

Teve skate nessa barca?

Apesar de sempre ter curtido demais o skate, a música já tinha tomado um pouco a dianteira das coisas e o long board ficou no Brasil. E tem outra treta, chegar na fronteira com os instrumentos de musica já era meio suspeito né ? imagina com o skate junto !!! O mais engraçado é que viajamos super bem vestidos e de gravatinha pra não dar muita bandeira. Não funcionou, os caras barraram nossa entrada na Espanha e a única solução foi comprar uma passagem do aeroporto de Madri direto para a França, a única quebrada que tínhamos um visto de entrada.

 

 

Vi que tem trabalhado com Jean Michell Jarre. Como é ter um ícone como parceiro?

Na realidade esse projeto com o Jean Michel Jarre foi uma parceria indireta. Eu fiz parte de um concurso internacional e fui premiado pelo Jean Michel Jarre que selecionou pessoalmente minha musica na final. Um som que se chama Nhanderu e uma  homenagem aos índios Guaranis. O Jean Michel Jarre fez um disco nos anos 80 que se chama ZOOLOOK, um disco realizado com diversos sons do cotidiano, vozes gravadas no mundo inteiro e vários elementos eletrônicos. Dois produtores de Paris tiveram a ideia de criar um projeto multimídia chamado Soundhunters e um concurso internacional chamado ZOOLOOK REVISITED. Convidaram o Jarre para ser o padrinho do concurso, fizeram vários documentários sobre pesquisa sonora, gravaram sons no mundo inteiro e disponibilizaram o material sampleado para os concorrentes com o objetivo de botar os vencedores em um disco com vários artistas reconhecidos da cena musical eletrônica. E aí foi assim cara, eu resolvi participar, dei um gás legal na música, mandei para a produção e ganhei junto com os outros seis escolhidos no final do concurso. Tive a oportunidade de conhecer ele no dia da escolha das musicas em Paris quando anunciou os vencedores em direto e imagina o suspense. Esta aventura foi muito gratificante porque já fazia um tempo que eu estava metido nas coisas do meu estúdio e compondo trilhas sonoras. Pelo lado musical, ter sido escolhido pelo Jean Michel Jarre que vem de uma tradição de música eletrônica e mundialmente conhecido, foi um pouco como uma uma pós graduação com as coisas que andava pesquisando e fiquei super feliz. Fora o lado musical e para um sujeito que decide ser imigrante um dia, tem um lado mais profundo e pessoal nisto tudo. Imaginem um francês que fosse escolhido por um grande compositor brasileiro depois de anos de batalha no Brasil. Então, é uma recompensa e reconhecimento muito grande.

 

A língua foi uma barreira?

De uma certa forma a língua foi tranquilo. Os brasileiros que migram para um país de língua latina, em geral não passam por muito aperto deste lado. Fora o período inevitável de adaptação, eu tive a oportunidade de cursar o departamento de língua francesa para estrangeiros da faculdade de letras de Nantes e ser músico também ajudou. Estar sempre em contato com muita gente, viajar bastante e poder praticar em permanência deu a maior força.

 

Algumas composições tuas estão em português, como é a aceitação disso na Europa?

No CD intitulado Atrás da boleia, tudo foi realizado nos dois países e com varias equipes de músicos e técnicos em consequência. Um trabalho com uma pegada de fusion brasileira e com letras que descrevem um pouco do cotidiano das pessoas e suas experiencias. Aqui na França ou em outros lugares, eu tenho a impressão que a aceitação de uma música que tem uma língua diferente é bem tranquilo. Quando um publico consegue entender uma narrativa, pode ser interessante não é ? Mas se não entenderem nada, eu acho que a intenção musical do compositor, o carisma de uma banda e outros fatores, ajudam as pessoas a fazerem abstração deste ponto.

 

 

E o skate? Aqui você era um Ibira Boy legitimo, o skate ajudou nessa transição BR/FR?

Caramba, você falar que que eu era um Ibira Boy legítimo, me deixa lisonjeado. Eu sempre tive uma pegada muito natural com o skate e nunca fui ligado em campeonatos ou objetivos mais ambiciosos. Meu negócio era ficar rodando sem compromisso e antes de tudo curtir com a rapaziada. Na época do freestyle eu fazia minhas manobras na humildade, era empenhado para desenvolver a coisa, mas bem descompromissado de tudo isto. Mais tarde com o street, achei algo muito mais próximo de mim mesmo. Pegar o skate e sair rodando ladeira abaixo depois de consumir algumas coisas contra indicadas aos atletas, era o bicho !!! Eu me lembro como hoje da gente descendo a ladeira do Morumbi, rodando na pracinha do Sumaré e outros lugares de Sampa. O skate me ajudou em inúmeras coisas na minha vida, eu acho que o skate é um sinônimo de liberdade absoluta e quem anda de skate é uma eterna criança. De uma certa forma os skatistas parecem bastante com os músicos, envelhecemos por fora mas sem envelhecer por dentro, isto é uma experiência maravilhosa e recomendo este remédio para qualquer um. Quanto a esta transição entre os dois países e como fui acolhido na casa do Paulo Moleda, fica fácil de adivinhar que o skate também ajudou.

 

Como você ve a influencia da música no skate?

Música e skate sempre andaram juntos, existem varias coisas que são muito próximas entre os dois. Ouvir Frank Zappa, Lou Reed, Devo, Ramones e tantos outros músicos da nossa geração, foi uma coisa bem maluca na minha cabeça. Me abriu a mente para vários estilos de música e tem um aspecto bem interessante que é o seguinte : Se pegamos o freestyle como exemplo, o cara pode fazer uma sequencia de manobras super calculada e sem fugir de um padrão pré estabelecido, é como tocar uma música com uma partitura que não tem muita abertura para improvisar. Existe também aquela pegada de sair andando e deixar as coisas acontecerem, algo bem parecido com a improvisação no jazz e outros estilos. Essa noção das coisas pré estabelecidas, do lugar da improvisação, da importância do domínio das ferramentas, ser perseverante e aprender a cair e levantar em todas circunstancias, me ajudou bastante. A coisa do ritmo também é essencial nas duas disciplinas não é ? Tem também a coisa do som no asfalto, o deslizar das rodas, subir em cima do meio fio, a madeira batendo e tantos outros sons que sempre pegaram bem forte do meu lado. Sempre curti bastante esta pegada e não sei como seria andar de skate com um silencio absoluto…Vamos experimentar ?

 

Quem anda de skate é uma eterna criança! 

 

O que você ouve?

Cara, aqui em casa a pegada vai do Rio da Piracicaba até Sex Pistols, eu escuto de tudo e sem nenhum preconceito. Música clássica, jazz, música cubana, musica eletrônica, etc…Tudo tem alguma coisa de interessante quando a gente escuta com atenção cada instrumento. Eu sempre fui aberto a todo tipo de música e isto me ajudou bastante na minha formação. Entender como funcionam as tramas harmônicas, melódicas, o ritmo e os aspectos técnicos e emocionas de cada estilo é fundamental. Como ultimamente meu trabalho é mais focado na produção de trilha sonoras, tudo isto é essencial para responder aos meus parceiros e acrescentar minhas idéias mais pessoais. Fora esta coisa mais profissional, curtir simplesmente um som qui no estúdio é um barato, boto as caixas no pau e fico escutando ou tocando junto.

 

Skate continua na sua vida?

Eu estou louco para comprar um longboard e recomeçar a dar umas voltas, tem até uma decida interessante no meu pedaço. As vezes uma molecada passa de skate perto da minha casa e pergunto se posso dar uma voltinha, imagina a cara que eles fazem !!! Com certeza devem pensar que sou um coroa completamente maluco e que vou me arrebentar no chão. Dou uma rodada bacaninha e isto acaba criando uma certa intimidade com a moçada nova. Em uma das minhas vindas ao Brasil, fui dar uma volta com minha sobrinha no Ibira e fiquei espantado com a quantidade de gente andando de skate. Na nossa época andar de skate era realmente algo de vanguarda e parte integrante da contra cultura dos anos 80. Éramos somente alguns gatos pingados e fiquei lembrando de você, Bolota, Bê, Tai Tai, Yura, Tanabe e tantos outros que  batalharam para que essa disciplina fosse tão reconhecida hoje em dia. Depois desta entrevista não tem mais desculpa, vou ter que comprar um longboard e sair um pouco desta rotina de rato de estúdio para descer as ladeiras da vida.

 

 

Tem saudade de viver no Brasil?

No inicio desta aventura, eu fiquei 8 anos sem botar o pé no Brasil. Pouco a pouco fui voltando de férias, sentindo como o terreno estava e comecei a voltar com mais freqüência para trabalhar em alguns projetos. Graças a tecnologia, hoje em dia é fácil de guardar os laços com as pessoas e trabalhar a distancia no caso das trilhas sonoras, é completamente compatível. Antigamente uma carta demorava vinte dias para chegar no Brasil e vinte dias para voltar. Em alguns momentos eu tenho saudades do nosso jeito de lidar com algumas coisas da vida, mas a França também é um país latino e temos nossas coisas em comum. A gente também se adapta com a vida de um lugar quando viajamos durante anos, mas uma hora destas vou achar um bom compromisso e conseguir conciliar os dois. O ideal é sempre tentar ser um cidadão do mundo, não é ?

 

 

 

 

Eu gostaria de  agradecer do fundo do coração o convite que você me fez. Fazia muito tempo que a gente não entrava em contato e me sinto lisonjeado de responder as suas perguntas. Responder tudo isto foi uma viajem no tempo !!! Agradeço igualmente a todos os amigos skatistas que sempre estiveram presentes na minha vida e que aprendi bastante. Aprendi com o skate e a musica o significado de ser livre e ver o mundo de um jeito diferente, aprendi a sonhar e entender que isto é essencial nas nossas vidas, aprendi que tudo é uma grande aventura e temos que sonhar em permanecia, na juventude ou com os cabelos brancos e véinhos. É isso aí rapaziada !!! Abração.

 

 

MUSYKAUNYKA PRODUCTIONS : ESTUDIO DE TRILHAS SONORAS

http://www.musykaunyka.com