Defina skate.
Pra mim é uma espécie de superpoder. Eu ando nas paredes!
Campeonatos de skate?
Participei de poucos quando era jovem, nunca me dei muito bem. Fui de uma das primeiras equipes de BH, a Elon Esportes, mas acho que todos nós passávamos bem longe da ideia de nos profissionalizar no skate. BH ficou bem fora do circuito dos campeonatos importantes dos 80. Acho mais divertido agora, é como se fosse uma mega sessão old school com juízes dando nota e prêmios. Não levo a competição em si muito a sério, mas me esforço pra fazer uma boa volta. Acho que sou mais adaptado às pistas modernas que aos bowls casca grossa do passado, então acabo me saindo melhor. Ainda assim, é difícil correr o circuito fora de BH, porque estou sempre viajando com minha banda... Organizo o BH Skate Invasion que é um grande evento anual com presença de gringos e uma mistura de categorias. Acabaram sendo os maiores campeonatos de que eu mesmo já participei.
Por que skate?
No natal de 1975 em ganhei meu primeiro skate, um Bandeirantes daqueles de rodas de plástico. Eu me lembro até hoje da sensação de pisar em cima dele pela primeira vez, de entender como ele fazia curva... Com o tempo fui me aproximando da cena do skate em BH e fiz amigos que dividem a sessão comigo até hoje. O skate me levou à música, que me afastou do skate por algum tempo, mas que agora só fez aumentar a empolgação quando acordo e é dia de skate. Isso não tem preço, algo que depois de tantos anos te faça querer aproveitar o dia, encontrar amigos, superar um limite e voltar pra casa com um troféu imaginário por ter acertado tal manobra. É difícil explicar pra quem não anda, a gente se mata, arrisca os ossos só pra conseguir subir seu aereozinho mais um palmo. É como um brinquedo que nunca perde a graça.
Skate é estilo de vida?
Ah sim, claro que é. Tem todo um estilo ligado ao skate, no comportamento, na música, na moda. Não gosto muito quando fica uniformizado demais, roupa de skate, música de skate, cabelo de skate, gíria de skate... É uma espécie de marcação cerrada quando não se encaixa em determinados moldes. Mas ainda assim, com ou sem clichês, skatista pensa diferente sobre a rua, vê transições e obstáculos em todo lugar, lida com lesões de um jeito bem prático e pouco apegado à dor, valoriza as companhias numa sessão mais até do que as diferenças pessoais. Sem falar do clássico aprendizado do "cai, levanta e tenta de novo". Acho que essas coisas são as mais importantes.
Melhor coisa que skate te trouxe? E a pior?
A melhor são as amizades duradouras, movidas a skate. Fazer sessões com os mesmos caras que estavam lá há mais de 40 anos e ainda sair empolgado comentando as manobras.
O skate me trouxe a música também, foi ele que me levou a querer tocar, montar banda. O que, sem dúvida, me deu uma carreira que me trouxe até aqui.
E ter tido a chance de organizar o BH Skate Invasion, recebendo skatistas de todo Brasil e ver gringos que nem sonhávamos ver andando nas pistas de BH realmente foi tipo um sonho. E teve o efeito colateral de eu conhecer muitos dos brasileiros old school também, já que eu sempre estive muito fora do circuito nacional. Aprendi muito sobre figuras fundamentais no skate brasileiro a partir disso.
A pior são as lesões, sempre difíceis de se lidar. Quando ficamos mais velhos e cheios de reponsabilidades, se tornam ainda mais problemáticas, porque atrapalham todas suas outras atividades. No meu caso, já tive que cancelar shows, viagens... Sou guitarrista, né!? Acabo atrapalhando a agenda de um tanto de pessoas que dependem de mim. Confesso que isso adiciona uma dose a mais de cautela no meu rolê, que eu preferia não ter, mas é como é.
Também é dolorido pra mim ver como o skate não é uma vacina contra o reacionarismo em geral. Infelizmente, os skatistas formam um grupo tão preconceituoso quanto qualquer outro.
O que fazer pelo skate?
No meu rolê, o que mais faz diferença são pistas. Acho que quanto mais o skate de alto nível se profissionalizar, mais eventos foda, mais pistas foda, mais skatistas conseguindo viver dignamente do skate, melhor fica pra todos. O skate se tornar mais popular é bom também pros caras que tem marcas e vivem do skate de uma maneira ou de outra. O skate já foi muito de gueto, foi perseguido, e tá limpo se o cara quer manter seu skate o mais "de rua" possível. Uma coisa não impede a outra. Mas "fazer pelo skate" pra mim é fazer crescer a cena, profissionalizar a estrutura, inclusive incluir mais outras modalidades também, downhill, freestyle, vert...
Vejo tembém que as ações sociais que envolvem o skate (como a Ong Social Skate ou o Skateistan) acabam promovendo o próprio conceito do skate na sociedade. Vai além de ajudar às pessoas assistidas por essas organizações. Essas ações despertam o melhor do skate, o melhor das pessoas, e quanto mais a gente puder apoiar esse tipo de trabalho, melhor pra todo mundo.
Uma viagem que skate te trouxe?
Uau, fiz muitas viagens memoráveis quando era novo, pra conhecer pistas. Fui com a equipe da Elon andar na Wave Park em SP, fui com amigos acampar em Búzios pra andar naquele banks de Geribá, fui pra Campo Grande e Guará ainda no comecinho, andei com aquela geração da Wave Cat em São Bernardo. Andei nas pistas do sul, estive até na inauguração da pista antiga de São Bernardo. Uma zona de dezenas de skatistas malucos num hotel pago pela prefeitura.
Mais recentemente, fiz minha primeira e única (até agora) skate trip pra Califórnia, com dois amigos. Inesquecível.
Familia skateboard
Família são meus amigos do peito, alguns dos caras com quem comecei a andar, e também outras amizades mais recentes. Não tenho a ilusão de dizer que os skatistas todos formam uma grande família - a não ser que a gente considere que as famílias também são cheias de tretas... O legal é que no rolê a gente consegue dar um desconto e todo mundo se diverte junto.
Skate ontem, hoje e amanhã.
Ontem foi a base, o encontro com algo que se tornou fundamental na minha vida. Muitas alegrias. Mas devo dizer que, mesmo com as limitações físicas da idade, eu prefiro o rolê de hoje. As pistas são melhores, os skates são melhores, o equipamento, a alegria de encontrar os velhos amigos, acho tudo mais legal. Gosto do encontro de gerações também. E acho demais que finalmente estão aparecendo muito mais meninas no rolê, acho que elas tem mais é que dominar a cena, elas trazem outra vibe, andam sorrindo, contraponto perfeito pra quando a sessão tá contaminada por skatista macho alfa marrento.
Amanhã nem sei, meu amigo Alan tá com 64 anos e pulando o canyon do Bowl do Anchieta, aprendendo novas tricks nos banks. Ele é minha referência, espero continuar por muito tempo ainda, enquanto meus joelhos aguentarem.